sábado, 27 de novembro de 2010

CONFORMAÇÃO E CONFORMISMO

       Visitamos hoje uma senhora que chamarei de dna. Márcia. Já a havia visitado com a Sílvia, assim como o Gil também a visitara com a Sílvia em outra ocasião. Hoje estávamos os três - Sílvia, Gil e eu - na realização do Evangelho no Lar com Dna. Márcia.
       Quando a visitamos pela primeira vez, fiquei impressionado. Dna. Márcia mora sozinha num cômodo de um cortiço e sofre de depressão grave e convulsões, além de dificuldade de locomoção em razão de problemas numa perna (anda com muleta). Em razão de alguns remédios fortes que toma, tem alguma dificuldade em falar com clareza. Faz tratamento ambulatorial no Hospital das Clínicas e sobrevive com a aposentadoria e a cesta básica que recebe do nosso programa social.
       Mas, não se entregou. Freqüenta um dos grupos de apoio coordenado pela Sílvia, onde participa ativamente, contribuindo com opiniões e idéias nas dinâmicas, mostrando boa capacidade de entendimento, elaboração e empatia. É, também, uma das ativas leitoras da pequena biblioteca que a Sílvia implantou e administra para nossos assistidos.
       O cômodo modesto estava limpo e bem arrumado (como hoje na visita de surpresa que fizemos) e, na porta de entrada e na porta do armário, estavam coladas com fita adesiva, ordenadamente, suas receitas de remédios, cronograma dos dias e horários em que faria o tratamento ambulatorial, contas e alguns outros lembretes. Com a depressão e os remédios que toma, dna. Ruth esquece-se com freqüência de algumas coisas. Por isto coloca bem à vista os lembretes importantes.
       A inteligência racional e emocional que mostra pelo seu senso de organização e planejamento, bem como por suas idéias e iniciativas, contrasta com as condições físicas e psicológicas que aparenta e a sua situação de moradia. Nela percebi claramente um espírito que já havia conquistado níveis mais altos em termos intelectuais e até emocionais, mas, por alguma razão cármica, nesta existência estava numa condição bem abaixo daquela que conquistara e a qual se habituara. Porém, pelo que vi, estava lutando positivamente, buscando não se entregar às dificuldades. E a visita e o Evangelho no Lar de hoje confirmou para mim esta percepção.
       Dna. Márcia aprendeu a se conformar ativamente às dificuldades que enfrenta, sem conformismo, como nas palavras de Emmanuel pela psicografia de Chico Xavier em "Diante do Conformismo" (Palavras de Vida Eterna, cap. 131. Uberaba, MG: Comunhão Espírita Cristã, 2007).
       Emmanuel inicia citando o apóstolo Paulo de Tarso, com quem sempre aprendemos muito: 
       "E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus." (Romanos 12:2).
       E, no trecho que reproduzo abaixo, explica que:
       "Há conformação e conformismo. 
       Conformismo é o sistema de ajustar-se alguém a todas as circunstâncias.
       Conformação é a submissão voluntária e serena da pessoa às aperturas da vida.
       Existem, por isso, diante de Jesus, os discípulos conformados e conformistas.
       Os conformados são fiéis às disciplinas que o Mestre lhes aconselha.
       Os conformistas, porém, adaptam-se, mecanicamente, às convenções e ilusões que lubrificam os mecanismos das conveniências humanas."
       Talvez, nesta encarnação, dna. Márcia tenha vindo nas condições em que veio para aprender, entre outras coisas, a conformação. Se for isto, está aprendendo! E nos ensinando também!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Boas Notícias Sobre Duas de Nossas Assistidas

Sábado passado, tive uma nova sessão com Joana, a menina de 14 anos que atendi dia 30 de outubro (veja "Estresse Pós-Traumático e uma Feliz Coincidência", aqui neste blog). Ela está bem melhor! Tem praticado a sua "redecisão" e com o apoio de sua mãe. Já sai sozinha, a ansiedade crônica diminuiu muito, assim como as imagens e os pensamentos obsessivos relacionados ao acontecimento traumático. O embotamento emocional também diminuiu, mostrando-se mais natural na expressão dos seus sentimentos. Graças a Deus!


Conversei também com dna. Ruth (veja "Tratando um Trauma Psíquico"). Como já havia comentado em "A Segunda Sessão com dna. Ruth", ela estava bem melhor. Mas, agora, dois anos após o assassinato de seu filho, a polícia resolveu fazer uma reconstituição do assassinato e com a participação dela e do acusado! É claro que que dna. Ruth estava abalada e assustada! Afinal, o acusado é um homem violento, está solto e ela o veria cara a cara, interagindo com ele na reconstituição que poderia ser uma peça importante para a acusação dele. E, depois, com a morosidade da nossa justiça, o que poderia acontecer? O que um homem como ele poderia fazer a ela até o julgamento? Dna. Ruth pensava tudo isto...


Uma vantagem que dna. Ruth tem é sua fé que vem crescendo dia-a-dia, o que a fortalece e ajuda na elaboração do trauma. Conversamos sobre tudo isto, fortalecendo sua "redecisão" e sua fé. Ao final, ela estava bem mais tranqüila e decidida a fazer a reconstituição. Não a encorajei a isto, tendo em vista o risco. Mas, tendo ela tomado a decisão, apoiei-a e à sua fé.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A Vaidade Cega

Mais um caso do Chico que nos ensina muito (de "Lindos Casos de Chico Xavier").


QUEM DERA QUE VOCÊ FOSSE O CHICO...


Numa livraria de Belo Horizonte, servia um irmão que, pelo hábito de ouvir constantes elogios ao Chico Xavier, tomou-se de admiração pelo Médium. Leu, pois, com interesse, todos os livros de Emmanuel, André Luiz, Néio Lúcio, Irmão X e desejou, insistentemente, conhecer o psicógrafo de Pedro Leopoldo. E aos fregueses pedia, de quando em quando: "Façam-me o grande favor de me apresentar o Chico, logo aqui apareça".


Numa tarde, quando o Aloísio, pois assim se chamava o empregado, reiterava a alguém o pedido, o Chico entra na Livraria. 


Todos os presentes, menos o Aloísio, se surpreendem e se alegram. Abraçam o Médium, indagam-lhe as novidades recebidas. E depois, um deles se dirige ao Aloísio: "Você não desejava ansiosamente conhecer o nosso Chico?"


"Sim, ando atrás desse momento de felicidade..."


"Pois aqui o tem."


Aloísio o examina; vê-o tão sobriamente vestido, tão simples, tão decepcionante. E correspondendo ao abraço do admirado psicógrafo, com ar de quem falava uma verdade e não era nenhum tolo, para acreditar em tamanho absurdo: "Quem dera que você fosse o Chico, quem dera!..."


E Chico, compreendendo, que Aloísio não pudera acreditar que fosse ele o Chico pela maneira como se apresentava, responde-lhe, candidamente: "É mesmo, quem me dera..."


E, despedindo-se, partiu com simplicidade e bonomia, deixando no ambiente uma lição, uma grande lição, que ia depois ser melhormente traduzida por todos, e, muito especialmente, pelo Aloísio...


A seleção perceptiva, velha conhecida da psicologia e muito estudada nos últimos anos pelas neurociências, explica essa cegueira. Às vezes, a solução de um problema, ou algo que muito almejamos está próximo de nós, praticamente ao nosso lado, mas, por vaidade, não enxergamos e até desprezamos. Já vi isto acontecer com muitas pessoas, e já aconteceu comigo. É, a vaidade cega...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

"É Tão Belo Como Um Sim Numa Sala Negativa"

Marcela (nome fictício neste caso real) tem cerca de 20 anos. Sua mãe era uma das nossas assistidas, assim como a avó que mora com elas. Moram juntos, também, dois irmãos mais novos da Marcela. Marcela ficou grávida. O namorado não assumiu e tanto a mãe, como a avó queriam que ela abortasse. Marcela resistia, queria o bebê.


Num dos sábados, meses atrás, Sílvia, Gil e eu fomos visitar Marcela, a mãe e a avó. Embora morem na região central, o local é longe da unidade da Sto. Amaro da FEESP, nossa base. Após uma boa caminhada, chegamos na casa delas. Batemos palmas, chamamos, nada. Já estávamos saindo, quando uma vizinha avisou-nos que elas não estavam: a mãe da Marcela havia falecido no dia anterior de um ataque do coração!


Sílvia entrou em contato mais tarde com Marcela e a avó que, ainda com a dor da separação, voltaram a frequentar as reuniões de apoio, buscando e obtendo consolação. Marcela continuava firme na decisão de ter o bebê. A avó contra, assim como alguns outros membros da família que moravam em outra cidade. Com o tempo, porém, a avó foi cedendo a contragosto.


O bebê chegou. E a avó se apaixonou. A vinda da criança mudou tudo, revolucionou a vida de todos na casa  modesta. Como escreveu o poeta João Cabral de Melo Neto, foi "tão belo como um sim numa sala negativa"! ("Vida e Morte Severina"). Trouxe nova vida, nova luz a todos na casa! Todos estão mais ativos, mais dinâmicos, mais otimistas! 


O nascimento do bebê atuou nesta família como o nascimento da criança no  poema "Vida e Morte Severina" (que virou peça de teatro e depois filme) do qual reproduzo um belo trecho abaixo - "Falam os vizinhos, amigos, pessoas que trouxeram presentes etc.":


"De sua formosura 
deixai-me que diga:
é belo como o coqueiro
que vence a areia marinha.

De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como o avelós
contra o Agreste de cinza.

De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como a palmatória
na caatinga sem saliva.



De sua formosura
deixai-me que diga:
é tão belo como um sim
numa sala negativa.

é tão belo como a soca
que o canavial multiplica.

Belo porque é uma porta
abrindo-se em mais saídas.





Belo como a última onda
que o fim do mar sempre adia.

é tão belo como as ondas
em sua adição infinita.

Belo porque tem do novo 
a surpresa e a alegria.

Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.

Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.

Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.

E belo porque o novo
todo o velho contagia.

Belo porque corrompe 
com sangue novo a anemia.

Infecciona a miséria 
com vida nova e sadia.

Com oásis, o deserto,
com ventos, a calmaria."

Algumas Boas Notícias Sobre Nossos Assistidos

Sílvia tem me informado sobre como vão alguns dos nosso assistidos. A seguir algumas das boas notícias: 


Dna. Ruth (vejam neste blog "Tratando um Trauma Psíquico", "A Primeira Sessão com Dna. Ruth" e "A Segunda Sessão com Dna. Ruth") está bem, estudando, lendo e apreciando vários livros da  pequena biblioteca que a Sílvia iniciou com livros mais dirigidos à população que atendemos (está sendo um sucesso!), participando dos grupos e mais ativa em casa e na atuação profissional. Graças a Deus!


Dna. Raquel (vejam "Colocando sua Luz sobre o Candeeiro") está bem, participando ativamente do grupo de apoio, lendo e gostando de livros da nossa pequena biblioteca e, além disto, influenciando positivamente, com suas palavras e exemplos, sua vizinha bem mais jovem que também está participando do grupo de apoio.


O filho de uma assistida, um garoto com 13 anos, com quem Sílvia e eu conversamos meses atrás, e que não queria saber de nada, nem concluir o fundamental, nem fazer um curso de informática na FEESP (de graça!), mudou sua atitude e se engajou tanto na escola, como no curso de informática. Agora, com 14 anos, está pleiteando um estágio. Graças a Deus!!!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Estresse Pós-Traumático e uma Feliz "Coincidência"

Sábado passado não visitei família alguma, mas atendi a uma mãe e sua filha de 14 anos que chamarei aqui de Joana. Sílvia telefonou-me dias antes para confirmar se eu iria neste sábado e para me falar do caso. A mãe é uma das nossas assistidas e eu já a conhecia, mas não a esta filha, que estava morando no Nordeste.


Joana sofreu, há cerca de 2 meses, uma forte experiência traumática. Estava com sintomas típicos de transtorno de estresse pós-traumático - medo de sair na rua sozinha, mesmo de dia, ansiedade constante, embotamento emocional, pensamentos e imagens intrusivas relacionadas ao acontecimento. E estava grávida de 2 meses...


Conversamos, a mãe, Joana e eu, num local reservado da Unidade Sto. Amaro da Federação Espírita do Estado de São Paulo, nossa base de trabalho. Pedi-lhes que contassem o ocorrido. A mãe começou e Joana, aos poucos, foi se soltando, falando também. E o quadro foi se  delineando... 


Muitas vezes, pessoas que tiveram uma experiência traumática evitam contá-la, por vergonha ou medo de reviver novamente algo muito dolorido física e emocionalmente. Isto tende a agravar o quadro. Guardar para si, sem desabafar, é pior. Ao contrário do que muitos pensam, deixar de falar sobre o acontecimento, não facilita esquecer a experiência traumática. A experiência traumática não elaborada assemelha-se a peças misturadas de um quebra-cabeça: a situação fica truncada na mente da pessoa. Ela não consegue integrar na sua mente nem os fatos e imagens, nem as emoções que experimentou na ocasião e aquelas que ainda está vivenciando. 


Contar o acontecimento a alguém que a ouça com equilíbrio e empatia pode ajudar a pessoa começar a integrar o acontecimento na sua mente, montando o quebra-cabeça de uma maneira que o acontecido faça sentido para ela. Se a pessoa tiver uma religião ou filosofia que dá a ela um significado maior para a sua vida, suas  tragédias e sucessos, e na qual tem fé e vivencia com profundidade, então poderá ser mais fácil a esta pessoa atribuir um significado ao acontecimento traumático que faça sentido para sua razão e emoções.


A mãe, que vive com a outra filha menor, tem desenvolvido esta visão mais abrangente da vida, freqüentando um dos grupos de apoio para mães e grávidas coordenado pela Sílvia e no qual, eventualmente, visito para conversas sobre temas variados com as participantes. Joana tem algumas crenças religiosas que lhe dá suporte na vida. Percebi que estas crenças, embora simples, até rudimentares, poderiam ser estimuladas e reforçadas, contribuindo assim para a elaboração e possível superação do trauma.


Após Joana e a mãe contarem-me o acontecimento, expliquei a ela e à mãe que a levaria a revivenciar o ocorrido para ajudá-la a superá-lo. Seria sofrido, mas ao final ela ficaria bem. Concordaram. Levei Joana, então, a um estado mais profundo de consciência e a revivenciar sensações, emoções e pensamentos que teve na ocasião do evento traumático. Foi algo muito forte. Joana chorou várias vezes, soluçando convulsivamente, agarrando-se à mãe. Ajudei-a, então, a iniciar uma elaboração mais profunda do ocorrido, utilizando, como apoio, sua fé religiosa, integrando-a com os procedimentos cognitivos-comportamentais da Técnica Peres, levando-a a formular o que chamamos de "redecisão".


Após a aplicação de um procedimento de desprogramação das sensações e emoções negativas vivenciadas, fortaleci sua redecisão e a levei a encenar mentalmente uma situação na qual estaria aplicando naturalmente a redecisão tomada. No final, Joana estava bem, aliviada e tranquila.


Combinei com ela e a mãe que faríamos uma sessão de integração e programação positiva no próximo sábado.


Voltando à sala da Sílvia, esta estava conversando com uma moça simpática: era a médica ginecologista que atende também voluntariamente às gestantes assistidas pela Sílvia. Já me falara da médica e eu queria conhecê-la, mas os dias em que atuamos como voluntários são diferentes e ainda não nos havíamos encontrado. Ela passara lá inesperadamente, por puro "acaso"... Conversamos e lhe contei do caso da menina Joana. Prontificou-se em acompanhar o caso de perto e orientar Joana e sua mãe. Feliz coincidência...