terça-feira, 9 de novembro de 2010

"É Tão Belo Como Um Sim Numa Sala Negativa"

Marcela (nome fictício neste caso real) tem cerca de 20 anos. Sua mãe era uma das nossas assistidas, assim como a avó que mora com elas. Moram juntos, também, dois irmãos mais novos da Marcela. Marcela ficou grávida. O namorado não assumiu e tanto a mãe, como a avó queriam que ela abortasse. Marcela resistia, queria o bebê.


Num dos sábados, meses atrás, Sílvia, Gil e eu fomos visitar Marcela, a mãe e a avó. Embora morem na região central, o local é longe da unidade da Sto. Amaro da FEESP, nossa base. Após uma boa caminhada, chegamos na casa delas. Batemos palmas, chamamos, nada. Já estávamos saindo, quando uma vizinha avisou-nos que elas não estavam: a mãe da Marcela havia falecido no dia anterior de um ataque do coração!


Sílvia entrou em contato mais tarde com Marcela e a avó que, ainda com a dor da separação, voltaram a frequentar as reuniões de apoio, buscando e obtendo consolação. Marcela continuava firme na decisão de ter o bebê. A avó contra, assim como alguns outros membros da família que moravam em outra cidade. Com o tempo, porém, a avó foi cedendo a contragosto.


O bebê chegou. E a avó se apaixonou. A vinda da criança mudou tudo, revolucionou a vida de todos na casa  modesta. Como escreveu o poeta João Cabral de Melo Neto, foi "tão belo como um sim numa sala negativa"! ("Vida e Morte Severina"). Trouxe nova vida, nova luz a todos na casa! Todos estão mais ativos, mais dinâmicos, mais otimistas! 


O nascimento do bebê atuou nesta família como o nascimento da criança no  poema "Vida e Morte Severina" (que virou peça de teatro e depois filme) do qual reproduzo um belo trecho abaixo - "Falam os vizinhos, amigos, pessoas que trouxeram presentes etc.":


"De sua formosura 
deixai-me que diga:
é belo como o coqueiro
que vence a areia marinha.

De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como o avelós
contra o Agreste de cinza.

De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como a palmatória
na caatinga sem saliva.



De sua formosura
deixai-me que diga:
é tão belo como um sim
numa sala negativa.

é tão belo como a soca
que o canavial multiplica.

Belo porque é uma porta
abrindo-se em mais saídas.





Belo como a última onda
que o fim do mar sempre adia.

é tão belo como as ondas
em sua adição infinita.

Belo porque tem do novo 
a surpresa e a alegria.

Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.

Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.

Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.

E belo porque o novo
todo o velho contagia.

Belo porque corrompe 
com sangue novo a anemia.

Infecciona a miséria 
com vida nova e sadia.

Com oásis, o deserto,
com ventos, a calmaria."

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