segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Estresse Pós-Traumático e uma Feliz "Coincidência"

Sábado passado não visitei família alguma, mas atendi a uma mãe e sua filha de 14 anos que chamarei aqui de Joana. Sílvia telefonou-me dias antes para confirmar se eu iria neste sábado e para me falar do caso. A mãe é uma das nossas assistidas e eu já a conhecia, mas não a esta filha, que estava morando no Nordeste.


Joana sofreu, há cerca de 2 meses, uma forte experiência traumática. Estava com sintomas típicos de transtorno de estresse pós-traumático - medo de sair na rua sozinha, mesmo de dia, ansiedade constante, embotamento emocional, pensamentos e imagens intrusivas relacionadas ao acontecimento. E estava grávida de 2 meses...


Conversamos, a mãe, Joana e eu, num local reservado da Unidade Sto. Amaro da Federação Espírita do Estado de São Paulo, nossa base de trabalho. Pedi-lhes que contassem o ocorrido. A mãe começou e Joana, aos poucos, foi se soltando, falando também. E o quadro foi se  delineando... 


Muitas vezes, pessoas que tiveram uma experiência traumática evitam contá-la, por vergonha ou medo de reviver novamente algo muito dolorido física e emocionalmente. Isto tende a agravar o quadro. Guardar para si, sem desabafar, é pior. Ao contrário do que muitos pensam, deixar de falar sobre o acontecimento, não facilita esquecer a experiência traumática. A experiência traumática não elaborada assemelha-se a peças misturadas de um quebra-cabeça: a situação fica truncada na mente da pessoa. Ela não consegue integrar na sua mente nem os fatos e imagens, nem as emoções que experimentou na ocasião e aquelas que ainda está vivenciando. 


Contar o acontecimento a alguém que a ouça com equilíbrio e empatia pode ajudar a pessoa começar a integrar o acontecimento na sua mente, montando o quebra-cabeça de uma maneira que o acontecido faça sentido para ela. Se a pessoa tiver uma religião ou filosofia que dá a ela um significado maior para a sua vida, suas  tragédias e sucessos, e na qual tem fé e vivencia com profundidade, então poderá ser mais fácil a esta pessoa atribuir um significado ao acontecimento traumático que faça sentido para sua razão e emoções.


A mãe, que vive com a outra filha menor, tem desenvolvido esta visão mais abrangente da vida, freqüentando um dos grupos de apoio para mães e grávidas coordenado pela Sílvia e no qual, eventualmente, visito para conversas sobre temas variados com as participantes. Joana tem algumas crenças religiosas que lhe dá suporte na vida. Percebi que estas crenças, embora simples, até rudimentares, poderiam ser estimuladas e reforçadas, contribuindo assim para a elaboração e possível superação do trauma.


Após Joana e a mãe contarem-me o acontecimento, expliquei a ela e à mãe que a levaria a revivenciar o ocorrido para ajudá-la a superá-lo. Seria sofrido, mas ao final ela ficaria bem. Concordaram. Levei Joana, então, a um estado mais profundo de consciência e a revivenciar sensações, emoções e pensamentos que teve na ocasião do evento traumático. Foi algo muito forte. Joana chorou várias vezes, soluçando convulsivamente, agarrando-se à mãe. Ajudei-a, então, a iniciar uma elaboração mais profunda do ocorrido, utilizando, como apoio, sua fé religiosa, integrando-a com os procedimentos cognitivos-comportamentais da Técnica Peres, levando-a a formular o que chamamos de "redecisão".


Após a aplicação de um procedimento de desprogramação das sensações e emoções negativas vivenciadas, fortaleci sua redecisão e a levei a encenar mentalmente uma situação na qual estaria aplicando naturalmente a redecisão tomada. No final, Joana estava bem, aliviada e tranquila.


Combinei com ela e a mãe que faríamos uma sessão de integração e programação positiva no próximo sábado.


Voltando à sala da Sílvia, esta estava conversando com uma moça simpática: era a médica ginecologista que atende também voluntariamente às gestantes assistidas pela Sílvia. Já me falara da médica e eu queria conhecê-la, mas os dias em que atuamos como voluntários são diferentes e ainda não nos havíamos encontrado. Ela passara lá inesperadamente, por puro "acaso"... Conversamos e lhe contei do caso da menina Joana. Prontificou-se em acompanhar o caso de perto e orientar Joana e sua mãe. Feliz coincidência...

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