quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Uma Lição de Perdão

Em uma das sessões de Evangelho no Lar que fazemos ao sábado na casa de famílias carentes, Sílvia, Gil e eu fomos a um cortiço visitar um casal. Lá, após subirmos dois lances de precárias escadas de madeira, chegamos, guiados por uma moradora, a um apertado e quente cubículo que servia de quarto de dormir e cozinha (o banheiro, partilhado em comum com os demais moradores, era fora). Lá fomos recebidos por Maria (nome fictício, mas o caso é real) com seu bebê. Contou-nos que seu marido havia viajado para a cidade de que provinham, no Nordeste, e  que ela também estava se preparando para ir.

O trecho do Evangelho que havíamos aberto versava sobre o perdão. Após a leitura do pequeno trecho, como de costume Sílvia, Gil e eu falamos algumas palavras traduzindo a leitura em termos mais próximos a ela e lhe perguntamos o que o ensinamento de Jesus tinha a ver com a vida dela no dia-a-dia. Maria, então, nos contou uma experiência sua com o perdão que nos serviu como lição de vida.

Ela e o marido moravam numa confortável casa em sua cidade natal no interior do Nordeste, próximas a parentes e amigos. Sua cunhada, que há muito mudara-se para S. Paulo, estava gravemente doente, com câncer, e pedia ajuda.  O marido de Maria queria ajudar a irmã e também tentar a vida em S. Paulo. A irmã convidou-os a ficar com ela no seu apartamento e para cá vieram, apesar de Maria estar grávida. O marido conseguiu trabalho e Maria cuidava da cunhada. Mas, começaram a se desentender e a cunhada a pôs para fora da casa.

Sem dinheiro suficiente ou fiador para alugarem um apartamento, a solução que acharam foi virem para esse cubículo no cortiço. Para piorar, seu marido perdeu o emprego. Haviam deixado uma confortável situação na cidade natal, largando tudo para cuidar da irmã do marido e agora estavam nesta situação! A raiva de Maria era muita com o que via como uma grande ingratidão da cunhada! O tempo foi passando, começaram a se arranjar com "bicos" aqui e ali, e foram sobrevivendo.


O marido, preocupado com a irmã que piorava, não queria ainda voltar. A amargura de Maria se aprofundava. Por outro lado, o quadro clínico da cunhada agravou-se muito e os médicos avisaram que ela tinha pouquíssimo tempo de vida. O irmão a visitava no hospital, mas Maria não queria nem saber. Seu marido, sabiamente, lhe aconselhou a visitar e perdoar a cunhada, antes que morresse, mas Maria resistia.

Certo dia, porém, resolveu: foi ao hospital. Junto do leito da moribunda que, embora ainda consciente, já não falava, olhou nos olhos dela e lhe disse com sinceridade: "Eu perdôo você pelo que me fez e peço perdão também pelo que eu fiz e pela raiva que senti de você!" O olhar da cunhada parecia mostrar que compreendera e Maria se sentiu aliviada.


Embora tivesse sido muito difícil para ela, o que dissera fora de coração. Saiu do hospital sentindo-se mais leve. Dias depois a cunhada faleceu.
Após o enterro, resolveram voltar para a cidade natal. O marido partira primeiro e conseguira trabalho por lá. Agora ela estava se preparando para ir.  Reforçamos seu aprendizado e após recomendações da Sílvia sobre o bebê, fizemos a prece final e nos despedimos.

No caminho de volta (ela havia sido a última do dia a ser visitada), refletimos sobre o quanto ela aprendera com essa experiência paulistana.  Na cidadezinha no interior do NE em que movava, apesar da casa mais confortável e do apoio familiar, seus conhecimentos sobre maternidade, parto e cuidados de bebê eram muito precários e o conhecimento de seus parentes não ia mais longe. Aqui, aprendera muito sobre tudo isto e, participando do grupo das grávidas que a Sílvia coordena, havia recebido preciosas informações e apoio, tivera um parto sem problemas e havia aprendido coisas importantes sobre o cuidado e alimentação do bebê. Contudo, aprendera mais uma coisa igualmente importante: perdoar. E pelo que percebemos em suas palavras simples, de uma honestidade rude, a lição do perdão havia calado fundo em sua alma. E na nossa também...!

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